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Viajando de Rural Willys em duas fotografias


Por Henrique Koifman



Carros antigos costumam fazer com muita gente viaje no tempo, sem precisar sequer embarcar “fisicamente” neles. É o Opala que o pai teve quando você estava no ginásio, o Simca do Tio Waldemar, que vivia enguiçando na volta da praia, o Fiat Prêmio da professora de inglês, o Monza saia-e-blusa do vizinho da frente, o Fusca… (aqui você completa, pois TODOS temos alguma lembrança com um desses). Menciono isso porque esse foi justamente o meu caso ao olhar para as fotos que minha amiga Angélica Brum me mandou de Brasília. Nelas, uma bem conservada Rural Willys é exibida no pilotis do Palace Hotel (acima e abaixo). Embora esse exemplar especificamente tenha realmente certa importância histórica – falo sobre isso mais adiante –, a (ou as) Rural (is) que me vieram à lembrança foram outras, anônimas, mas igualmente marcantes.



A primeira delas, pelo menos na ordem cronológica, me chegou até com o cheiro de seu estofamento e era dirigida pela mãe de um colega de judô e com a qual nós pegávamos carona na volta. Eu devia ter uns 8 anos de idade, ou pouco menos e aquele carro me parecia enorme (meu pai tinha um Fusca), especialmente por dentro. A segunda me levou – com outros nove ou dez garotos para uma de muitas excursões do grupo de lobinhos, na Floresta da Tijuca, não me lembro guiada por quem. E aí a lembrança fica meio embaralhada com a algazarra da turminha a bordo, no banco de trás e no porta-malas. A terceira, também guiada pela mãe de um amigo, nos buscou uma ou duas vezes em festas pré-adolescentes.



E havia muitas dessas rodando pela cidade naquele começo dos anos 1970. A Rural começou a ser produzida aqui no Brasil em 1958 (antes, chegou importada), saindo de linha somente em 1977. Nada menos que 182 mil delas saíram das linhas de montagem, primeiro da Willys, depois da Ford, que comprou a marca em 1968.





A Rural é filha do jeep


Mas a história da Rural começou ainda em 1946, nos EUA do pós-guerra, quando a Willys resolveu lançar uma versão familiar do Jeep militar, que batizou de Jeep Station Wagon. O curioso é que, embora já existissem camionetes familiares derivadas de sedãs por lá naqueles tempos, a Jeep SW foi a primeira inteiramente construída em metal – as anteriores tinham parte da traseira em madeira. Além disso, o carro contava com a opção da tração nas quatro rodas, algo também raro em automóveis “comuns” naqueles tempos. E, como utilizava como base mecânica e componentes do veículo de guerra, logo ganhou fama por sua resistência e versatilidade.


Esse primeiro Jeep família acabou tendo como descendentes a “nossa Rural”, sua versão argentina (chamada Estanciera, praticamente um sinônimo, rs) e também outra, japonesa, produzida pela Mitsubishi – e que, mais adiante, daria origem ao Pajero. E, nos EUA, foi a matriarca de toda uma linhagem, incluindo seu neto, o Jeep Cherokee. Hoje, não seria errado dizer que a Rural original é a matriarca dos SUVs – pelo menos dos que são realmente aptos a enfrentar caminhos ruins.



 A Rural estacionada num hotel de Brasília


O exemplar que a Angélica fotografou lá em Brasília é de 1964 e, como explica o texto colocado junto a ela (na foto acima), foi usada, em 1972, pelo então ex-presidente Juscelino Kubitschek, em sua última visita, anônima, à capital que construiu. Foi também justamente durante o governo de JK – que era um desenvolvimentista um entusiasta da modernidade e, em particular, do automóvel – que a indústria automobilística se implantou e começou a produzir modelos no Brasil. Em triste ironia, o próprio JK morreria, em 1976, em um acidente de carro (que alguns dizem ter sido causado propositalmente), na Via Dutra.




Vale mencionar que essa Rural exposta no Hotel tem um design adotado exclusivamente aqui no Brasil, a partir de 1960 – e que é o que todos mais estamos acostumados a ver. Em sua dianteira, se você reparar bem, vai encontrar linhas semelhantes às dos edifícios modernistas de Brasília, que foi oficialmente inaugurada no mesmo ano.




E que tal dirigir uma Rural?


Em 2014, em um dos episódios do programa Oficina Motor, tive a oportunidade de dirigir uma Rural Willys – e até viajar com ela, de São Paulo até Santos. O carro pertencia (e, acho ainda pertence) ao pai de minha coleguinha de tela Michelle de Jesus, e junto com o nosso também parceiro Lipe Paíga, nos divertimos a beça naquele passeio (nas fotos acima e abaixo, de divulgação do programa). E voltamos à capital a bordo de um dos "nets" dela, o Jeep Cherokee.



A Rural, então, me pareceu bem lenta, com uma direção muito imprecisa, câmbio meio frouxo, freios insuficientes e estabilidade… bom, melhor nem falar mais nisso. É um carro que, se eu fosse usar nos dias de hoje, certamente faria nela algumas boas atualizações de segurança. Mas, como é alta, oferece uma ótima visibilidade para motorista (se bem que o capô pronunciado atrapalha um pouco) e passageiros – e disso eu me lembrava de meus passeios de criança. E, acreditem ou não, senti dentro daquele carro exatamente o mesmo cheiro de estofado (misturado a algum óleo queimado, quem sabe) que tinha na memória.


As fotos da Angélica eu postei também em nosso perfil Carros do Rio, no Facebook, uma espécie de álbum de figurinhas de carros fora de linha que mantemos, comfotos que faço e também de amigos e colaboradores, pelo mundo a fora. Confira aqui - https://www.facebook.com/carrosdorio.


Para quem quiser saber mais sobre a Rural, com acesso a informações técnicas, história, versões, fotos e até um manual do proprietário, recomendo uma visita a este site aqui: https://ruralwillys.tripod.com/. Assim como aquele modelo exposto em Brasília, esse site deve ser do século passado e tem uma carinha bem antiquada, mas está “muito bem conservado” e cheio de histórias para contar.

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